sexta-feira, 7 de novembro de 2014

O Malandro útil


Há 4 anos trabalhei em Cuba por alguns dias na área de saúde pública.
Fui até esse lindo país, a pedido da OPAS - Organização Panamericana de Saúde, conhecer algum projeto que pudesse ser adaptado em nosso território.
Para um cientista social e político como eu, conhecer outros países é algo de muita importância e, outros países com regimes "diferentes" do nosso, é um sonho!
Na área da saúde pública, sem nenhum exagero, nada me surpreendeu, ou melhor, fiquei estarrecido com a diferença entre a propaganda alardeada pelo regime cubano e o que pude constatar.
A precariedade dos prédios e dos equipamentos assusta qualquer cidadão, menos os cubanos!
A única vantagem sobre o nosso sofrido SUS é o número excessivo de médicos. Aqui cabe uma ressalva, já que, a partir de informações dos próprios profissionais médicos cubanos que tiveram a oportunidade/autorização de um dia sair da Ilha, a sua formação está muito aquém de outros países, pois é focada na medicina comunitária, de baixa complexidade.
Outro ponto fundamental é falta de tecnologia que hoje em dia é tão necessária para a realização de uma medicina de qualidade.
O mais interessante porém, foi o contato diário com trabalhadores, estudantes, famílias cubanas que com o passar do tempo e a conquista de sua confiança me falavam, às escondidas, o que sentiam com relação ao regime comunista do país.
Pude constatar a diferença física marcante entre aqueles que estão mais próximos dos comandantes do regime e da população em geral. Nota-se que, quem tem poder, consome muito mais calorias do que o povo em geral, que farta-se com pedaços pouco valorizados de pollo, e de vez em quando.
O meu maior contato foi com um médico que me apresentou sua esposa e filhos, seu pobre apartamento e me presenteou com livros e gibis do governo, já que o assunto revolução e embargo são as grandes fontes de inspiração da educação e cultura do país.
Em sua casa pude assistir novamente capítulos da novela brasileira A Favorita, a única diversão da família! Me chamava atenção a baixa qualidade dos programas de TV, o tempo todo exaltando "conquistas" dos cubanos e do regime. Como no livro 1984, sempre alertavam a população sobre os inimigos que poderiam chegar!
Um detalhe curioso e muito engraçado foi o dia em que a TV anunciou a derrota por 3 sets a 0 da seleção feminina de volei cubana contra a seleção brasileira. Os adjetivos heroínas e maravilhosas meninas eram destacadas com grande fervor pelo narrador, enquanto uma cena congelada de um ponto antigo conquistado pela equipe cubana sobre a seleção brasileira, mantinha-se na TV!
Passei por alguns maus momentos e creio que o maior foi em uma noite, após às 23hs, quando no saguão do hotel, assistia a um grupo de salsa, maravilhoso por sinal, quando um carro escuro parou e desceu de forma abrupta 4 homens muito fortes e grandes com um volume estranho em baixo de suas camisas. Pensei em se tratar de um arrastão e fiquei congelado esperando a abordagem. Um deles veio até a mim e pediu para ver meus documentos. De pronto apresentei meu passaporte brasileiro e fui tratado com muito respeito, não por ser do país do futebol, mas por ser de um país amigo.
Todos foram verificados, nada foi encontrado e o grupo se retirou.
Esses foram apenas alguns exemplos de tudo o que vi e vivi em Cuba, muito diferente do que os turistas veem quando se hospedam em Varadero e por um dia passeiam em Havana, onde são apresentadas as belezas turísticas e culturais da capital.
Lá pude conhecer de perto os idiotas úteis - pessoas que defendem uma ideologia decadente, por acreditar cegamente nela - que existem em todos os lugares do mundo, que se revesam com os asseclas do poder, que passam o dia elogiando as grandes conquistas da revolução.
No Brasil não é diferente, temos os idiotas e os asseclas do poder.
O maior problema porém, é a queda vertiginosa do número de idiotas úteis que dão lugar a um crescente número de pessoas - artistas, intelectuais, ativistas - que a cada ano que passa, colocam preço pela defesa dessa ideologia.
Como o Estado não gera riqueza, alguém paga por essa conta, esse investimento feito pelo poder central. Ou seja, o povo!
Com o tempo, não haverá mais idiotas úteis já que todos querem de alguma forma ser beneficiado pelo bolo estatal e não aceitam mais sair fechando ruas e avenidas sem receber por essa tarefa.
Uma nova classe nasce com a extinção dos idiotas úteis: o malandro útil.

Por Marcelo Di Giuseppe

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